VINTE E SETE
- Ana Carolina M.
- 20 de dez. de 2019
- 4 min de leitura
Ano passado passamos o natal juntas, eu e você no hospital. Eu e você em silêncio, só eu e você juntas no mesmo espaço, no mesmo quarto.
Me levantei às 05hr do dia 25, troquei de lugar com meu tio e fui para o plantão. Naquele dia não fez calor, não teve sol, e lembro que uma paciente de cuidados paliativos do hospital faleceu no segundo andar, Rita de Cássia. Naquele momento eu tive um misto de sentimentos, uma tristeza profunda me acometeu, ao mesmo tempo que um sentimento de esperança. Incrível como o luto anunciado nos causa sentimentos tão conflitantes ao mesmo tempo. Te vi pela última vez no dia seguinte 26 de Dezembro. Também não saiu sol e não fez calor, nenhum daqueles dias fez, ou pelo menos não me lembro de nada diferente de nuvens.
Os últimos dias com você foram cheios de inquietude pra mim, eu não conseguia ficar sentada na poltrona, ficava de pé ao lado da sua cama, te olhando, te medindo, e tentando lembrar de como você era. A agonia era compartilhada entre você, eu, as paredes, o teto, a cama, as janelas e qualquer um que entrasse ali. Queríamos te ajudar, queríamos tomar seu lugar! Eu queria ter trocado de lugar contigo só pra que você pudesse ter ficado e presenciado todos os dias de sol que vieram depois. Nessa noite eu e minha tia dormimos contigo, ela sabia que estava chegando a hora e não queria que eu estivesse lá sozinha. E lá estava eu com minhas duas mães.
Dia 27 eu dormiria em casa, era a vez da minha prima dormir contigo. Naquele dia eu não estava agitada, talvez o cansaço da privação de sono dos dias anteriores tivesse me deixado relaxada o suficiente pra dormir a tarde. Dormi, acordei, e algum tempo depois entre às 19 e 20hr o telefone tocou... e eu sabia. Nesse momento meu coração saiu da sua posição anatômica e foi parar na garganta, meu estômago virou do avesso e minhas mãos começaram a transpirar. Meu tio atendeu o telefone com o tom de voz alto de sempre, e depois do "alô.... ta bom" veio o silêncio. Fui até a sala e vi meu tio parado em frente a minha tia falando com o tom de voz mais calmo e baixo possível o que eu pensei que estivesse preparada pra ouvir, mas não estava. E naquele momento minha vida parou. Houve a ruptura de tudo que eu conhecia e entendia como minha vida, pra começar de uma outra forma, naquele momento eu sabia que ela nunca mais seria a mesma, e não tem sido desde então, ela tem sido diferente. Mas uma coisa eu sei, eu vivo minha vida todos os dias em busca de ser a pessoa que você gostaria que eu fosse, errando e acertando, mas tenho certeza que eu cresci nesse tempo, e só cresci e ainda cresço porque nessa vida eu tive a oportunidade de ser criada, amada e cuidada por você mãe, e nada me traz felicidade maior que essa. Nunca vai existir nessa vida alguém que preencha meu coração como você, porque nosso amor transcende.
(A quem lê: eu não espero que qualquer um se identifique com o que escrevo, pois ninguém além de mim teve a convivência que eu tive com minha mãe. Assim como eu não sei o que é a dor de perder um filho (a), um marido ou uma esposa, um grande amigo, um irmão.... Eu sei o que é e como é a MINHA dor e minha perda. Mas espero que as pessoas entendam que cada dor é uma dor e cada indivíduo lida com ela de uma forma. Não existe tempo pra a cura, não existe um jeito certo e errado. Nada disso pode ser medido em horas, dias, semanas ou anos.... Você não pode esperar que a melhora aconteça porque aparentemente já se passou "tempo o suficiente". Nunca é tempo suficiente pra sentir a falta de quem se ama. Então sejam compreensivos com as perdas dos outros e suas próprias. Entendam que a recuperação é diferente pra cada um.A minha já vem acontecendo há algum tempo, e talvez quem leia meus textos veja muito mais saudade do que otimismo por aqui. Mas acredite quando eu digo que dentro de mim a cura acontece assim, colocando pra fora o que me dói e o que me acalma. Essa é minha melhor terapia e eu vejo potencial em mim e em tudo que tenho me proposto a fazer. Hoje me sinto melhor que há 6 meses atrás, mas ainda existem dias de desânimo, e isso não quer dizer que minha recuperação não é válida, quer dizer que eu estou passando pelo processo como ele deve ser PARA MIM. Não queira julgar quem chora demais ou de menos, quem sofre externamente ou quem sofre internamente. Você nunca vai entender a dor do outro se ela não for sua, se não for contigo. Então seja paciente com quem perde e tenta se levantar, isto é um processo muito individual de cada ser humano. Hoje você oferece o ombro amigo, amanhã você pode precisar dele)
SEJA PACIENTE PORQUE TUDO VAI DAR CERTO.
São Paulo, 19 de Dezembro de 2019.
Ana Carolina M.

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